Capítulo 3

O Início do fim

 

A criada estava terminando de amarrar os cordões do meu corpete, enquanto ela o fazia, comentou:

-A senhorita está deslumbrante.

-Obrigada. – eu disse analisando o vestido.

Então a criada se retirou rapidamente, nenhum dos serviçais se sentiam a vontade na nossa presença, o que me agradava. Sentei-me em frente da penteadeira e agilmente trancei meus cabelos desde a raiz até as pontas, deixando alguns cachos soltos caindo sobre o meu rosto. Coloquei, então, no cabelo uma fivela incrustada de safiras que havia pertencido a minha mãe. Achei que havia ficado bom, visto que não podia usar um espelho, pois ele nada refletiria. Caminhei em direção as escadas,e, sabendo que meu pai e meu irmão já me esperavam, fui até a sala. Ao vê-los disse:

-Vocês estão realmente elegantes.

- Obrigado, você também está linda. – falou meu pai, estendendo o braço para mim.

E fomos pra carruagem.

 A ida até o baile foi silenciosa, pois estávamos pensando a respeito dos últimos acontecimentos. Ao nos aproximarmos dos arredores do castelo, notei que já havia várias carruagens paradas, tudo estava muito iluminado e ricamente decorado dando uma aparência renovada a fachada antiquada do castelo. O cocheiro parou nossa carruagem em frente a entrada principal, descemos e nos encaminhamos até o salão do baile onde a orquestra já estava se apresentando. O guarda real, ao notar nossa presença, bate o cajado que segurava e anuncia:

- Anuncio a entrada do Conde de Baskerville, filho do Duque Lestar Hancock II, e seus filhos Genevive Hancock e Sir Peter August Hancock comandante das tropas reais.

 Neste momento vi que o rei havia se levantado do trono, e caminhava sorrindo em nossa direção. O rei Henry VIII era um dos raros amigos humanos da nossa família, pois ele era muito agradecido ao meu pai pelas estratégias que ele havia criado para as tropas da realeza durante a grande batalha de Gravelines, na qual os inimigos foram rapidamente massacrados. Desde então ele possui uma estima imensa por meu pai.

 Ao se aproximar o rei disse:

- Que bom vê-lo aqui meu amigo.

- É um prazer alteza.- respondeu meu pai com uma reverência.

- E o senhor, Sir Peter? Ou devo dizer Comandante Hancock? Como estão as tropas que enviamos para a fronteira?

- Por enquanto está tudo bem. Acho que aqueles espanhóis não voltarão tão cedo.

- É ótimo ouvir isso comandante. E a senhorita como está Genevieve?

- Estou bem, e mais uma vez agradeço pelo convite para tocar em seu baile.

- A senhorita não é só a filha de um grande amigo, é também uma grande musicista.

- Agradeço pelo elogio alteza. – eu disse curvando-me.

- Venham os seus lugares estão reservados. – disse o rei nos mostrando o caminho.

 Enquanto caminhávamos para os nossos lugares, muitas pessoas nos olhavam, acredito que era por estarmos falando com tanta naturalidade com o rei. A decoração do salão estava magnífica. Estava repleta de flores brancas, das enormes janelas pendiam pesadas cortinas de seda da cor marfim que iam até o chão, no centro do salão havia uma grande mesa , e em cima desta se encontravam finas louças de porcelana com pequenos detalhes em ouro. No teto podia ver um imenso lustre, todo feito de mínimos cristais, lapidados minuciosamente.

Antes de chegarmos a mesa o rei disse:

- Quero apresentar-lhes minha filha Jodie.

E ele acena para a jovem sentada ao lado da rainha, que imediatamente levanta-se e se aproxima.

- Essa é Jodie.

Eu e meu irmão fizemos reverência e meu pai beijou sua mão. Ela era um pouco mais baixa que eu, loira com olhos azuis e cabelos encaracolados até a cintura, trajava um vestido rosa claro, e usava uma pequena coroa de diamante. Ela era bonita. Meu pai disse:

- Você está crescida Jodie.

-Obrigada Sr. Hancock.- disse ela com um sorriso.

Assim que pai e filha saíram nos acomodamos na mesa. E meu pai disse:

- A sua apresentação será a próxima.

E o rei levanta-se e comunica:

- Caros amigos, hoje teremos, mais uma vez, a honra de prestigiar a senhorita Genevieve Hancock dando uma pequena amostra de seu talento no piano, aplausos pra ela.

Eu me levantei em meio aos aplausos, e fui até o piano que se encontrava em frente a orquestra. Sentei-me no banco e esperei que silenciassem, então comecei a tocar...enquanto eu tocava sentia-me em êxtase, a cada nota eu sentia que estava enfeitiçada. Ao terminar, me levantei diante aos aplausos e agradecendo olhei para as pessoas, foi ai que eu encontrei os olhos dele. Aquilo mexeu comigo de uma forma intensa e impressionante, ele não desviou o olhar e por um momento imaginei que só havia nós dois naquele salão, eu não ouvia mais nada, e não via mais nada...apenas uma coisa. Ele.

Percebi a expressão preocupada de meu pai e meu irmão com a chegada inesperada. Resolvi me juntar a eles. E meu pai disse:

- São eles. – ele falou baixo apenas para eu e meu irmão escutar.

- Sim. – disse meu irmão encarando-os.

Atrevi-me a olhar para eles. Então um deles percebeu que eu estava olhando e fitou-me vigorosamente. Era o mais velho, poderia até ser o pai deles, usava roupas simples, tinha o cabelo bem curto castanho-claro e uma barba mal feita, olhos verdes com profundas olheiras, sustentei seu olhar por algum tempo mais desviei-o ao notar a presença de uma moça que estava segurando o seu braço. Ela era baixa e tinha no rosto algumas graves cicatrizes, percebi também que ela andava de cabeça baixa, tinha cabelos loiros, longos, e olhos azuis. Ao perceber que eu a olhava muito fixamente outro menino, mais novo, a puxou para seu lado tirando-a do meu campo de visão, e fazendo-me olhá-lo. Esse por sua vez, era o mais novo de todos, aparentava ter um pouco mais de 15 anos, tinha os cabelos castanho-escuro e olhos azuis. Foi aí que olhei para o menino ao seu lado, os dois eram absolutamente idênticos. Realmente eles estavam em grande número.

Então senti um olhar em minha direção...me virei e o vi de novo, e como antes, nos encaramos. Ele usava uma camisa branca com gola em formato triangular aberta, com uma capa marrom, o cabelo jogado para trás displicentemente. Nos olhamos por algum tempo até que ouvi a voz de meu pai:

- Precisamos ir embora. Peter ainda não tem certeza se pode se controlar...

Eu o olhei e assenti. Sem dar uma palavra saímos do salão furtivamente.

Entramos na carruagem e durante o caminho Peter comentou:

- Nunca os perdoarei pelo mal que nos causaram.

- Precisamos ter calma Peter, eles são animais irracionais, matariam até seus próprios parentes. – disse meu pai tranqüilizando-o.

  Havia tempo que não falávamos sobre esse assunto...o motivo de intensificar o nosso ódio, pelos seres mais detestáveis: os Licantropos. Há muito tempo atrás, meu pai era um respeitado senhor feudal, ele havia se apaixonado por camponesa... os dois lutaram contra todas as barreiras para ficarem juntos. Casaram-se e tiveram o primeiro filho, meu irmão Peter, ele era muito apegado a ela. Alguns anos depois eu nasci, e as vésperas de eu completar 19 anos, meus pais saíram para comprar-me um presente...e na  volta, já estava escuro. Durante o caminho meu pai começou a ouvir ruídos e apeou o cavalo, mas quando olhou para trás viu a maior criatura que podia existir. O cavalo se assustou e disparou, arrebentando a corda que o prendia a charrete, deixando-os sozinhos na escuridão. O monstro então avançou em direção a eles derrubando, minha mãe da charrete arrastando-a para a floresta. Meu pai começou a correr e a gritar inutilmente, mas já era tarde. Depois disso, ele sumiu por uns tempos e voltou totalmente mudado, dizendo que sabia a forma de vingar a minha mãe. Contou que havia conhecido um homem que o havia mostrado a formula da imortalidade, o nome dele era: Vlad Tepes, mas era conhecido como Conde Drácula. Nesse mesmo dia atravessamos a fronteira entre a vida e a morte.

 Então esse reencontro com os Licantropos, suscitava em nós o antigo desejo de vingança.